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2025
UFGD fortalece ações de acessibilidade e destaca impacto dos cursos de Letras-Libras
Áreas de atuação da Coordenadoria de Ações Afirmativas, Diversidade, Inclusão e Pertencimento (CAADIP)
A Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD) vem consolidando avanços importantes na promoção da acessibilidade e da inclusão, especialmente para a comunidade surda. Atualmente, segundo dados do Sistema de Gestão Acadêmica (SISGECAD), são 14 estudantes surdos matriculados na graduação e dois na pós-graduação.
No entanto, o coordenador da Coordenadoria de Ações Afirmativas, Diversidade, Inclusão e Pertencimento (CAADIP), Victor Pereira do Prado, ressalta que os números não refletem integralmente a realidade, pois nem todos os estudantes informam a surdez no momento da matrícula. “Em 2024, docentes levantaram que havia 26 estudantes surdos apenas no curso de Letras-Libras, o que demonstra a lacuna de dados oficiais”, afirmou.
Esses acadêmicos estão distribuídos em cursos como Direito, Medicina, Biotecnologia, Psicologia e Letras-Libras, além dos programas de pós-graduação da Faculdade de Comunicação, Artes e Letras (FALE) e da Faculdade Intercultural Indígena (FAIND).
Para além das políticas macro, como a Política de Ações Afirmativas em elaboração, a CAADIP desenvolve frentes específicas de atuação, como o serviço social, o apoio pedagógico, a tradução e interpretação em Libras e o núcleo de estudos, atendendo às demandas de diversos grupos historicamente marginalizados e buscando combater os efeitos da discriminação étnica, racial, religiosa, etária, de gênero, de classe, de origem nacional ou de condição física.
“Estamos executando um plano de trabalho para a tradução em Libras de todos os editais e regulamentos da UFGD. No curto prazo, priorizamos os documentos da pró-reitoria de Assuntos Comunitários e Estudantis (PROAE), garantindo acessibilidade na primeira língua da comunidade surda”, destacou Victor.
Apesar dos desafios relacionados à contratação de profissionais, a UFGD conta atualmente com um tradutor-intérprete de Libras (Língua Brasileira de Sinais) na CAADIP, além de outros servidores em setores como a Assessoria de Comunicação Social e Relações Públicas (ACS) e a Faculdade de Educação a Distância (FAEAD), que dispõe de sete intérpretes. “A falta de concursos públicos desde 2019, quando um decreto extinguiu o cargo, limita a expansão, mas seguimos buscando alternativas para assegurar inclusão e pertencimento”, explicou o coordenador.
Na avaliação da intérprete de Libras Adriana Pereira da Silva Santos, que atua na área desde 2012 e, na UFGD, desde janeiro de 2022, somando quase quatro anos de experiência no ensino superior, o trabalho do Tradutor e Intérprete de Libras (TILS) é essencial para garantir a comunicação entre surdos e ouvintes. Ela destacou que essa atuação representa uma conquista assegurada pela Lei nº 10.436/2002 e regulamentada pelo Decreto nº 5.626/2005, que reconhecem a Libras como língua oficial de sinais no Brasil.
Segundo Adriana, “a atuação de intérpretes qualificados promove acessibilidade em todos os espaços universitários, possibilitando que estudantes, técnicos, docentes e demais membros da comunidade acadêmica participem de aulas, eventos e atividades em igualdade de condições. Além disso, fortalece a inclusão social, valoriza a diversidade linguística e cultural e contribui para o fortalecimento da identidade surda em toda a instituição”.
FORMAÇÃO DE PROFISSIONAIS EM LIBRAS
Aplausos dos amigos e familiares durante a colação de grau de estudante do curso de Letras-Libras, no ano de 2024
A vice-diretora da Faculdade de Educação a Distância (FAEAD), Eliane Ochiuto, enfatiza que os cursos de Letras-Libras da UFGD representam um marco para o acesso ao ensino superior em Mato Grosso do Sul. “Criada em 2012, a licenciatura foi pioneira e, em 2019, veio o bacharelado, ambos únicos em universidade pública no estado. Eles garantem o direito linguístico das pessoas surdas e atendem às políticas públicas de inclusão, formando professores de Libras, bem como profissionais bacharéis em Tradução e Interpretação em Libras e Língua Portuguesa”, afirmou.
Até o momento, já foram formados 53 estudantes surdos nos dois cursos, que atualmente contam com 11 acadêmicos cursando as graduações. No total, a FAEAD já formou 1.247 profissionais. O impacto é visível no mercado de trabalho: “Devido à alta demanda, nossos egressos estão em escolas, universidades públicas e institutos federais, além de atuarem em outros contextos comunitários”, explicou Eliane.
A atuação da faculdade vai além da formação técnica e busca aproximar a universidade da comunidade surda — formada por pessoas surdas, familiares, intérpretes de Libras, profissionais da área da educação de surdos e da Libras, além de outros apoiadores. “É na comunidade que a Libras circula, que debates acontecem e onde se consolidam a cultura e a identidade surda. Aproximar a comunidade da UFGD é essencial para garantir o protagonismo e a representatividade do povo surdo”, afirmou.
Neste sentido, a FAEAD criou o Encontro Bilíngue, que em 2025 entra em sua terceira edição. O evento contribui para criação e fortalecimento de vínculos, conhecendo a realidade local e cumprindo não apenas a função formativa, mas também o papel social da faculade e da universidade. A programação da edição deste ano incluiu palestras on-line ao longo da semana e será encerrada neste sábado (27/09), com atividades presenciais durante todo o dia. Pela manhã, estão previstas palestras sobre vivências, lutas e desafios enfrentados cotidianamente pelas pessoas surdas; já no período da tarde, a proposta é promover momentos de lazer, bate-papo, diversão e interação.
Eliane destacou, ainda, que o mês de setembro, conhecido como Mês da Visibilidade Surda, tem importância histórica. “O Congresso de Milão, em 1880, proibiu o uso de línguas de sinais na educação de surdos. Hoje, celebramos conquistas e valorizamos a Libras com datas como o Dia Internacional das Línguas de Sinais (23/09), o Dia Nacional do Surdo (26/09) e o Dia Internacional do Tradutor Intérprete (30/09)”, lembrou.
No portal da FAEAD é possível acessar alguns depoimentos de egressos dos cursos de Letras-Libras:
Depoimento de egressos : https://portal.faead.ufgd.edu.br/depoimento-de-egressos/
TRAJETÓRIA DE SUPERAÇÃO
Entre os exemplos inspiradores dessa luta por inclusão está o professor substituto Tiago Moraes, que atualmente atua na UFGD e coordena o III Encontro Bilíngue. Ele reconhece os avanços na articulação entre universidade e comunidade surda, mas destaca os desafios. “Ainda não alcançamos 100%, mas seguimos lutando para tornar o ambiente acadêmico realmente acessível e inclusivo”, avaliou.
Ao compartilhar sua experiência, Tiago conta que não imaginava que um dia seria o coordenador do evento, mas pondera que isso se tornou realidade porque ele sabe a importância que o Encontro Bilíngue tem, ao relembrar os obstáculos enfrentados na comunicação com gestores ouvintes sem intérpretes. “Foi um grande desafio, mas também uma experiência de fortalecimento e aprendizado. Hoje compreendo a importância de estar à frente desse evento, que fortalece a identidade surda e aproxima a comunidade da universidade”, disse.
Sua trajetória reflete resistência e perseverança. Vindo de uma família surda, mudou-se de Campo Grande para Dourados em busca de novas oportunidades e, com esforço, conquistou o espaço como docente. “Minha missão agora é que as pessoas aprendam a respeitar e garantir mais acessibilidade. Talvez, um dia, essa mudança realmente aconteça”, afirmou.
Tiago deixa uma mensagem de esperança aos acadêmicos que iniciam sua caminhada: “Nunca desistam dos seus sonhos. Sei que o caminho tem barreiras, mas também é cheio de oportunidades. A universidade é um espaço de aprendizado, resistência e representatividade. Cada conquista individual fortalece toda a comunidade surda”.
Jornalismo ACS/UFGD