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Setembro
29
2017

Lideranças resgatam memórias e analisam impacto da criação da Reserva Indígena de Dourados

  Atualizada: 29/09/2017
A Reserva Indígena de Dourados (RID), onde ficam as aldeias Jaguapiru e Bororó, está completando 100 anos da sua fundação. Buscando rememorar a trajetória do aldeamento e refletir sobre a atual situação dos indígenas que ali vivem, está acontecendo um seminário de dois dias na Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal da Grande Dourados (FCH/UFGD).
O evento foi iniciado na manhã desta quinta-feira, dia 28. Palestraram tanto as autoridades das duas aldeias, como representantes da FUNAI, do Ministério Público Federal, e da educação indígena.
Seis debatedores falaram sobre sua perspectiva do desenvolvimento histórico da reserva indígena, apresentando diferentes pontos de vista. O reverendo Bendicto Troquez fez uma fala representando a Missão Evangélica Caiuá e lembrou o papel dos missionários em promover o acesso à educação e saúde para as primeiras famílias que vieram ocupar o espaço da RID. Segundo ele, atualmente os indígenas estão vivendo um tempo de ocupar espaços, mas que infelizmente eles precisam pagar um preço alto para ter acesso a educação, a emprego e melhores condições de vida.
O cacique Getúlio de Oliveira lembrou de suas vivências na RID ainda quando criança, em uma época em que ainda poucas famílias habitavam na reserva, e que a educação era basicamente oral e passada dos mais velhos para as crianças. Ele falou da importância da Missão Caioá e de outras entidades que ajudaram a população indígena. O capitão também relatou como os conflitos foram ficando cada vez mais intensos conforme a população aldeada veio aumentando. Para ele, é importante que mais indígenas tenham acesso à educação e possam ajudar o seu povo na reconquista de áreas tradicionais: “Quem estuda, trabalha, continua índio. Nossa pele não muda, toda vida um índio será índio. E enquanto é índio, vamos lutar dentro da nossa cultura contra a injustiça, contra a política. Contamos com vocês estudantes, professores, os formados hoje. Todas crianças e jovens que querem estudar, nós estamos do lado de vocês. Quero que nosso povo viva tranquilo, não quero meu povo judiado, massacrado. Por isso queremos nosso tekohá”, disse.
Assim como o cacique Getúlio, a  professora Edna de Souza também ressaltou a importância da educação. Para Edna, a escolarização das crianças e jovens indígenas deve ser um instrumento de luta pelos seus direitos coletivos. Ela contou como era a RID onde cresceu: uma aldeia onde havia espaço para cultivar alimentos, para viver as tradições,  cercados pelas matas, animais silvestres e a natureza. Para Edna, a luta para voltar a seus territórios de origem é a busca dos guarani, dos kaiowá e dos terena em resgatar o bem-estar e o modo de viver de antigamente. “Quando se determinou o confinamento do povo indígena na reserva de Dourados, o povo indígena ocupava desde o rio Apa do até o Salto do Sete Quedas. Quando começaram a arrebanhar o povo kaiowá para o confinamento, não é que o povo indígena estava ocupando fazenda. Não! Tudo isso era território do povo indígena”, afirmou a professora, que é filha de Marçal de Souza ao qual homenageou em sua fala.
Educação como caminho
Almires Martins Machado, doutor em Antropologia e professor da UFGD, elencou uma série de questionamentos sobre o que se tem a comemorar nos 100 anos de reserva. Um dos exemplos que ele citou foi a situação ainda insatisfatória da educação indígena, que não contempla sequer os direitos constitucionais das crianças em ter sua cultura e sua língua respeitadas nas escolas. No entanto, ele também reforçou que a escolarização é o caminho pelo qual poderão demonstrar que sua cultura e forma de pensar, por fim o modo de viver de cada povo indígena, estão no mesmo patamar de conhecimento dos saberes não-indígenas.
O professor João Machado reforçou a ideia de que a criação da RID e o consequente confinamento do povo indígena de três etnias diferentes são a origem de uma onda de violência, que se manifesta nas aldeias ainda hoje. “A educação das gerações atuais é muito diferente, a escola pegou a tarefa de educar as crianças - o que antes era a família, os antigos é que educavam as crianças. Nas reservas onde ainda há matas, as crianças aprendem a sabedoria antiga, sadia, é onde aprendem a vida. Na situação de hoje, as crianças aqui na RID aprendem coisas maléficas, perversas, da cidade”, diz ele.  



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