Início do conteúdo da página
David Cavallo é pesquisador e docente no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde também é um dos dirigentes do grupo de pesquisa “O futuro do aprendizado”. É um dos principais pesquisadores mundiais sobre uso de tecnologia na educação, e esteve palestrando e ministrando minicursos no Congresso Brasileiros de Informática na Educação (CBIE), evento que aconteceu nesta semana na UFGD.
David Cavallo foi um dos criadores do projeto global One Laptop per Child (Um Computador por Criança), que desde 2005 fez parcerias vendendo para governos e empresas computadores portáteis no valor de US$150,00. Esses laptops seriam distribuídos para crianças e adolescentes de diversos países, para estimular seu aprendizado. “O Brasil foi o grande incentivador desse projeto, deu visibilidade mundial a nossa ação quando estávamos começando”, elogia o pesquisador.
Ele conta que sentiu necessidade de começar este projeto ao perceber que nos países em desenvolvimento há muita desigualdade social, fator que dificulta o acesso a tecnologias e também prejudica o aprendizado das crianças pobres. “Para milhares de famílias pobres, é fora de realidade comprar um computador que custa mil reais. Mas nós sabíamos que um computador não precisa ter um custo tão alto. Por isso, iniciamos o projeto para levar laptops para essas crianças e jovens estudantes”, explica.
O governo brasileiro foi um incentivador do projeto, tendo influenciado governos e políticas públicas em todo o mundo, especialmente na América Latina. “Começamos em 2005 no Brasil e, por exemplo, em 2009 começamos no Uruguai. Hoje, todos alunos uruguaios, do primeiro ano aos adolescentes, todos têm um laptop”, informa David Cavallo. Ele explica que o Brasil ainda não atingiu o mesmo resultado positivo que o Uruguai, universalizando o acesso às tecnologias aos estudantes, porque somos um país continental e com uma diversidade muito grande de culturas. “A população do Uruguai é equivalente a população da Grande Porto Alegre, são só 600 mil alunos, é uma escala diferente. O projeto está andando, mas os obstáculos aqui no Brasil são muito maiores”, compara.
O pesquisador também considera os diversos atores sociais que compõe o cenário da educação brasileira, pois além do governo federal é necessário engajamento dos estados e municípios, responsáveis pelo ensino fundamental e básico. Além da estrutura governamental, a indústria, o comércio e a sociedade civil poderiam somar ao movimento de melhoria na educação, incentivando projetos e iniciativas de inserção de novas tecnologias no ensino.
Conteúdos e utilizações das tecnologias
David compara o Brasil com os Estados Unidos, quando fala sobre as dificuldades em aplicar tecnologias à educação. Ele destaca que nos Estados Unidos há uma tendência de as famílias tirarem seus filhos da escola, para ensiná-los em casa. Segundo o professor, os pais argumentam que as escolas estão desestimulando a iniciativa de pesquisa e o interesse de descobrir, impondo conteúdos e formas de ensino que não dialogam com a atualidade e o cotidiano das crianças. Educar em casa, utilizando tecnologias, tem sido uma alternativa para muitas famílias norte-americanas que querem estimular os filhos a serem autodidatas.
Para o professor, a educação formal do Brasil, tanto quanto a dos Estados Unidos, é anacrônica. As ferramentas de interatividade não são utilizadas por dificuldade dos sistemas de ensino, e não por falta de acesso à tecnologia - já que hoje há computadores na maioria das escolas e também há maior facilidade de compra de aparelhos como computadores, tablets e notebooks. “Após o projeto OLPC, o preço da tecnologia baixou, a tecnologia está mais acessível. Agora, entramos em outro nível de desafio: como usar melhor as tecnologias? Aqui no Brasil conhecemos muitos projetos maravilhosos de informática na educação, são realmente muitos projetos, muitas pessoas fantásticas mobilizadas para melhorar a educação. As pessoas e os projetos são ótimos, mas ainda são passos pequenos, em algumas escolas, em algumas universidades. O desafio é implementar essas mudanças para todos”, avalia David Cavallo.
Na avaliação do pesquisador, as universidades e faculdades já discutem bastante a introdução de tecnologias na educação fundamental e média, mas no próprio ensino superior não há uma mudança de paradigma no ensino. Mesmo nas faculdades de educação, não se estimula os futuros professores a utilizar as tecnologias para pesquisar e para produzir conteúdos. Ele conta uma anedota para ilustrar como esta dificuldade não é só do Brasil, mas também do sistema de ensino norte-americano. “Recebo muitos alunos de cursos de educação de Harvard, no seminário que dou no MIT. Um deles uma vez me disse que os professores lhe falavam sobre mudar o sistema de educar as crianças, ir além da leitura para estimular as crianças a aprender. Mas, ele como universitário só recebia livros, livros, livros... ler era sua única forma de aprender, mas a leitura não era o único modo com que ele deveria ensinar”, brinca.
David enfatiza que não são as tecnologias que vão fazer a diferença na educação, mas sim as pessoas e o uso que elas fazem das tecnologias. Ele traz como exemplo a forma como o OLPC foi implementado na Tailândia. Assim como em Dourados, na Tailândia existe um grande desafio de incluir a população indígena na educação formal sem eliminar sua tradição de ensino baseado na oralidade, dependendo, portanto, da preservação da língua e da cultura. O professor analisa que as tecnologias podem tanto interferir quanto contribuir para reafirmar os conhecimentos e culturas tradicionais.
“Quando implementamos o projeto na Tailândia, as pessoas indígenas de lá diziam que estavam perdendo a sua cultura por influência do rádio e da televisão. Como estávamos levando novas tecnologias - não necessariamente novas, mas tecnologias diferentes - no início, a população indígena ficou brava conosco, porque entendiam que íamos acabar com sua cultura, seu idioma. Eles brigavam conosco porque sentiam como se estivéssemos explorando eles. Mas isso mudou porque começaram a usar a tecnologia para criar conteúdos deles. Eles viram que podiam escrever sua história, que podiam fazer programas de rádio e vídeos sobre sua cultura. Você sabe, esse conteúdo não vai passar na Globo, nos canais grandes não vai ser possível disseminar esse conhecimento. Mas eles podem criar esses novos conteúdos. Vão disponibilizar entre eles, na internet para quem quiser ver. Tem muitos projetos assim no Brasil. Lá eles fizeram vídeos sobre as plantas, quais as ervas que curam tais problemas, enfim, valorizou os conhecimentos e cultura deles. A tecnologia não serve só para você receber, para aprender por meio dela, mas para criar e disseminar novos e antigos conhecimentos”, instrui o pesquisador norte-americano.
Novembro
07
2014
07
2014
Pesquisador do projeto Um Computador Por Aluno palestrou na UFGD sobre informática na educação
Atualizada: 07/11/2014
OLPC vendeu no mundo todo 2 milhões de computadores portáteis por menos de US$150,00
David Cavallo é pesquisador e docente no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), onde também é um dos dirigentes do grupo de pesquisa “O futuro do aprendizado”. É um dos principais pesquisadores mundiais sobre uso de tecnologia na educação, e esteve palestrando e ministrando minicursos no Congresso Brasileiros de Informática na Educação (CBIE), evento que aconteceu nesta semana na UFGD.
David Cavallo foi um dos criadores do projeto global One Laptop per Child (Um Computador por Criança), que desde 2005 fez parcerias vendendo para governos e empresas computadores portáteis no valor de US$150,00. Esses laptops seriam distribuídos para crianças e adolescentes de diversos países, para estimular seu aprendizado. “O Brasil foi o grande incentivador desse projeto, deu visibilidade mundial a nossa ação quando estávamos começando”, elogia o pesquisador.
Ele conta que sentiu necessidade de começar este projeto ao perceber que nos países em desenvolvimento há muita desigualdade social, fator que dificulta o acesso a tecnologias e também prejudica o aprendizado das crianças pobres. “Para milhares de famílias pobres, é fora de realidade comprar um computador que custa mil reais. Mas nós sabíamos que um computador não precisa ter um custo tão alto. Por isso, iniciamos o projeto para levar laptops para essas crianças e jovens estudantes”, explica.
O governo brasileiro foi um incentivador do projeto, tendo influenciado governos e políticas públicas em todo o mundo, especialmente na América Latina. “Começamos em 2005 no Brasil e, por exemplo, em 2009 começamos no Uruguai. Hoje, todos alunos uruguaios, do primeiro ano aos adolescentes, todos têm um laptop”, informa David Cavallo. Ele explica que o Brasil ainda não atingiu o mesmo resultado positivo que o Uruguai, universalizando o acesso às tecnologias aos estudantes, porque somos um país continental e com uma diversidade muito grande de culturas. “A população do Uruguai é equivalente a população da Grande Porto Alegre, são só 600 mil alunos, é uma escala diferente. O projeto está andando, mas os obstáculos aqui no Brasil são muito maiores”, compara.
O pesquisador também considera os diversos atores sociais que compõe o cenário da educação brasileira, pois além do governo federal é necessário engajamento dos estados e municípios, responsáveis pelo ensino fundamental e básico. Além da estrutura governamental, a indústria, o comércio e a sociedade civil poderiam somar ao movimento de melhoria na educação, incentivando projetos e iniciativas de inserção de novas tecnologias no ensino.
Conteúdos e utilizações das tecnologias
David compara o Brasil com os Estados Unidos, quando fala sobre as dificuldades em aplicar tecnologias à educação. Ele destaca que nos Estados Unidos há uma tendência de as famílias tirarem seus filhos da escola, para ensiná-los em casa. Segundo o professor, os pais argumentam que as escolas estão desestimulando a iniciativa de pesquisa e o interesse de descobrir, impondo conteúdos e formas de ensino que não dialogam com a atualidade e o cotidiano das crianças. Educar em casa, utilizando tecnologias, tem sido uma alternativa para muitas famílias norte-americanas que querem estimular os filhos a serem autodidatas.
Para o professor, a educação formal do Brasil, tanto quanto a dos Estados Unidos, é anacrônica. As ferramentas de interatividade não são utilizadas por dificuldade dos sistemas de ensino, e não por falta de acesso à tecnologia - já que hoje há computadores na maioria das escolas e também há maior facilidade de compra de aparelhos como computadores, tablets e notebooks. “Após o projeto OLPC, o preço da tecnologia baixou, a tecnologia está mais acessível. Agora, entramos em outro nível de desafio: como usar melhor as tecnologias? Aqui no Brasil conhecemos muitos projetos maravilhosos de informática na educação, são realmente muitos projetos, muitas pessoas fantásticas mobilizadas para melhorar a educação. As pessoas e os projetos são ótimos, mas ainda são passos pequenos, em algumas escolas, em algumas universidades. O desafio é implementar essas mudanças para todos”, avalia David Cavallo.
Na avaliação do pesquisador, as universidades e faculdades já discutem bastante a introdução de tecnologias na educação fundamental e média, mas no próprio ensino superior não há uma mudança de paradigma no ensino. Mesmo nas faculdades de educação, não se estimula os futuros professores a utilizar as tecnologias para pesquisar e para produzir conteúdos. Ele conta uma anedota para ilustrar como esta dificuldade não é só do Brasil, mas também do sistema de ensino norte-americano. “Recebo muitos alunos de cursos de educação de Harvard, no seminário que dou no MIT. Um deles uma vez me disse que os professores lhe falavam sobre mudar o sistema de educar as crianças, ir além da leitura para estimular as crianças a aprender. Mas, ele como universitário só recebia livros, livros, livros... ler era sua única forma de aprender, mas a leitura não era o único modo com que ele deveria ensinar”, brinca.
David enfatiza que não são as tecnologias que vão fazer a diferença na educação, mas sim as pessoas e o uso que elas fazem das tecnologias. Ele traz como exemplo a forma como o OLPC foi implementado na Tailândia. Assim como em Dourados, na Tailândia existe um grande desafio de incluir a população indígena na educação formal sem eliminar sua tradição de ensino baseado na oralidade, dependendo, portanto, da preservação da língua e da cultura. O professor analisa que as tecnologias podem tanto interferir quanto contribuir para reafirmar os conhecimentos e culturas tradicionais.
“Quando implementamos o projeto na Tailândia, as pessoas indígenas de lá diziam que estavam perdendo a sua cultura por influência do rádio e da televisão. Como estávamos levando novas tecnologias - não necessariamente novas, mas tecnologias diferentes - no início, a população indígena ficou brava conosco, porque entendiam que íamos acabar com sua cultura, seu idioma. Eles brigavam conosco porque sentiam como se estivéssemos explorando eles. Mas isso mudou porque começaram a usar a tecnologia para criar conteúdos deles. Eles viram que podiam escrever sua história, que podiam fazer programas de rádio e vídeos sobre sua cultura. Você sabe, esse conteúdo não vai passar na Globo, nos canais grandes não vai ser possível disseminar esse conhecimento. Mas eles podem criar esses novos conteúdos. Vão disponibilizar entre eles, na internet para quem quiser ver. Tem muitos projetos assim no Brasil. Lá eles fizeram vídeos sobre as plantas, quais as ervas que curam tais problemas, enfim, valorizou os conhecimentos e cultura deles. A tecnologia não serve só para você receber, para aprender por meio dela, mas para criar e disseminar novos e antigos conhecimentos”, instrui o pesquisador norte-americano.