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Setembro
26
2016

Licenciatura Intercultural Indígena – Teko Arandu completa 10 anos

  Atualizada: 27/09/2016
Desafios existem, mas há muito o que comemorar

Em 2016, a Licenciatura Intercultural Indígena - Teko Arandu (“viver com sabedoria”, na língua guarani) completa 10 anos de implantação na Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD). Especificamente voltado para a formação de professores das etnias Guarani e Kaiowá, o curso oferece Licenciatura Plena em Educação Intercultural, com habilitações em quatro áreas do conhecimento: Ciências Humanas, Linguagens, Matemática e Ciências da Natureza.

A graduação segue a metodologia de alternância, com atividades de ensino na UFGD (tempo-universidade) e também nas aldeias e escolas indígenas (tempo-comunidade), indo de encontro à missão da Universidade que é de uma educação inclusiva que promove a troca de saberes e de experiências.

De acordo com o diretor da Faculdade Intercultural Indígena (FAIND), Antônio Dari Ramos, o Teko Arandu é um curso diferenciado desde o início, por não ter surgido da UFGD para as aldeias, e sim o contrário: foram os movimentos Guarani-Kaiowá que o reivindicaram e a administração central da Universidade atendeu a demanda. Dentre as inúmeras conquistas do curso, Dari destaca duas delas. “A partir do próprio curso é que a FAIND foi estruturada. O nome da faculdade diz muito para os indígenas, pois eles se sentem (e são) parte desse projeto, assim como os assentados, acampados, populações ribeirinhas, povos e comunidades tradicionais, que é um público distinto, porém muito próximo das causas indígenas. A outra grande conquista foi o ritual de batismo do prédio, feito pelos indígenas, que caracterizou a apropriação em definitivo da Faculdade”, destaca o professor.

Atualmente com 250 estudantes das etnias Guarani e Kaiowá, muitos deles já lecionando dentro das aldeias, a Licenciatura Intercultural já formou mais de 120 professores indígenas ao londo desses 10 anos. Ao mesmo tempo em que comemoram, os profissionais da educação chamam a atenção para as inúmeras dificuldades que a consolidação da educação escolar indígena, reconhecida como direito na Constituição de 1988, enfrenta.
 

Desafios

O Brasil conta, hoje, com 22 mil professores indígenas, 3 mil escolas indígenas e 8 mil universitários indígenas, segundo dados do INEP/MEC (2015). No Mato Grosso do Sul, são 26 municípios, cada um deles com mais de uma escola indígena. Ainda segundo Antônio Dari, “não chegamos a ter nem um professor para cada área, para cada escola nesses municípios, então a demanda por professores para as séries dos ensinos fundamental e médio ainda é muito grande. Isso, talvez, explica a grande procura: hoje a concorrência do Teko é de 4,5 candidatos por vaga, uma das maiores procuras dentre as licenciaturas da UFGD”.

Apesar de a produção teórica do Teko Arandu ter reconhecimento nacional das comunidades indígenas, é preciso avançar na consolidação das Licenciaturas Interculturais de todo o país, especialmente no quesito financiamento. “Além disso, eu destaco a necessidade do aumento do corpo docente em nosso curso – hoje temos 11 professores efetivos, quando na verdade o mínimo ideal seria de 30 a 35 -; do término do prédio, para que possamos ter nossos laboratórios; de uma pós-graduação específica; e, por fim, precisamos de mais docentes indígenas dentro do curso. Acredito que nós, professores não indígenas, estamos temporariamente nessa função. Com o passar do tempo, o ideal é que essa função seja tocada por docentes indígenas. Essa é uma esperança que eu nutro”, afirma Dari.
 

Avanços

Com um curso que garante o uso da língua materna e respeita os processos tradicionais de aprendizagem dos movimentos indígenas, a UFGD tem se posicionado como parceira e como instrumento dos Guarani-Kaiowá. Os indígenas, ao longo desses 10 anos, qualificaram a pesquisa na Universidade, deixando de ser apenas objetos do conhecimento para se tornarem sujeitos dele.

Eliel Benites é professor efetivo do Teko Arandu, egresso do curso com mestrado em Educação. Para ele, a maior conquista dessa Licenciatura é a troca de saberes entre os povos. “Sou formado em Ciências da Natureza e sou indígena, então tenho a liberdade de trabalhar com os estudantes em nossa própria língua. O mais interessante disso é que temos acesso a conhecimento científico na nossa língua ao mesmo tempo em que podemos inserir no contexto acadêmico o conhecimento indígena”.

“Nossa tradição é oral, passada de pai para filho. O fato de o Teko oportunizar o aprendizado junto com nossas nhandeci (rezadeira), avós, mães e pais, mostra respeito à nossa cultura”, afirma Dirce Verón, recém-formada pela Licenciatura Intercultural. Para ela, o Teko Arandu abre portas e lança novos desafios, além de ser um passo a mais para avançar nas relações entre indígenas e não indígenas. “O curso me credencia para dar aulas na aldeia, mas meu próximo objetivo é dar aulas na cidade, em escolas estaduais. Quero explicar para os alunos como vivemos, sobre nossa religião, para que, compreendendo, eles possam respeitar nossa cultura”.

Panorama
No último dia 23, a pedagoga Rita Gomes do Nascimento, indígena do povo Potiguara e representante da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC) esteve na UFGD para a colação de grau da terceira turma do Teko Arandu.

Para Rita, as Licenciaturas Interculturais, em todo o país, têm cumprido com sua função princial de formar professores indígenas para atuarem nas séries iniciais das escolas dentro das aldeias. “Grande parte dos professores indígenas fazem seu projeto de pesquisa relacionado a alguma questão da sala de aula ou à vida na aldeia, o que de fato reflete o que é uma educação intercultural, que permite o diálogo entre saberes e entre culturas”.

De acordo com ela, há no país mais de 20 universidades que formam professores indígenas, todos com evasão muito baixa. Existem desafios estruturais, de permanência e transporte desses estudantes a serem enfrentados, mas a vinda desses indígenas está modificando cotidiano da universidade. “Essa presença não é pontual, como em outros cursos, nos quais temos alguns indígenas e que são muito importantes também, mas os cursos específicos permitem uma presença coletiva".

Rita fez, ainda, uma análise da presença da FAIND na UFGD. Com a segunda maior população indígena do país, o Mato Grosso do Sul apresenta um contingente indígena de aproximadamente 72 mil pessoas, distribuídas em 8 etnias, segundo o censo de 2010 do IBGE. Dentre essas etnias, os Guarani e Kaiowá estão estimados em uma população de 50 mil, sendo que somente em Dourados, as reservas Jaguapiru e Bororó contam com cerca de 14 mil indígenas.

“Conversando com os estudantes, eles me falaram muito sobre o protagonismo que eles exercem. Quando eles chegam na universidade, se empoderam. Dentro dessa dinâmica de troca de saberes, eles se fortalecem. Dessa forma, entendo que a UFGD está formando esses professores para que eles de fato sejam guardiões de suas culturas, de seus territórios, permitindo que reconheçam, cada vez mais, seus direitos, e que possam se defender”, pontua.

A pedagoga acredita que o fato de a UFGD ter uma Faculdade Intercultural Indígena é muito simbólico e significativo, pois demarca a presença indígena no estado. “Dentro da universidade as questões indígenas têm espaço, têm visibilidade. Estudantes indígenas em outros cursos é uma estratégia importante que o Estado deve fortalecer, mas quando se cria um espaço específico para o atendimento de suas demandas, significa que estamos conseguindo, de fato, mexer nas estruturas das universidades com a presença indígena. Há muitos desafios, sobretudo na questão da permanência, mas acredito que nós vamos avançar”, finaliza Rita.




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