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Dezembro
17
2015

​Entrevista: O mosquito transmissor da Dengue e do Zika é imbatível?

  Atualizada: 18/12/2015
Com tanta campanha informativa na mídia e alarde nas redes sociais, por que o combate ao mosquito Aedes aegypti é ineficaz? Na entrevista para a Assessoria de Comunicação Social da UFGD, o Prof. Dr. Julio Henrique Rosa Croda fala sobre prevenção, diagnóstico e combate ao vírus da Dengue e do Zika. Julio Croda é docente da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Federal da Grande Dourados (UFGD), pesquisa doenças infecciosas e parasitárias e atualmente desenvolve projetos na área de tuberculose em populações vulneráveis.

1- O que é o vírus Zika?
Julio Croda: O vírus Zika é da família Flavividae do gênero Flavivirus. É da mesma família e gênero do vírus da Dengue e da febre amarela. Devido ao esse fato, é  transmitido pelo mesmo mosquito que transmite a Dengue. Essa similaridade dos dois vírus leva a uma dificuldade na utilização dos testes sorológicos atuais. Existe muita reação cruzada e inviabiliza a confirmação laboratorial desses pacientes no momento que ocorre as duas epidemias.
 
2 - Como uma pessoa contrai o Zika? Quais são os sintomas e como diagnosticar?
Julio Croda: O Zika é transmitido pela picada do mosquito Aedes aegypti.  É o mesmo mosquito que transmite a Dengue e a Chikungunya. Os sintomas são muitos parecidos com a Dengue, são poucas as diferenças. Vale ressaltar que no caso de Zika os pacientes apresentam mais conjuntivite, manchas avermelhadas na pele e coceira generalizada. Mas a grande maioria dos casos de Zika são oligoassintomático ou seja apresenta poucos sintomas. Na ocorrência simultânea das duas doenças, como vem ocorrendo no Brasil, é muito difícil diferençar as duas doenças apenas pelo sinais clínicos.  A utilização de técnicas de biologia molecular são fundamentais para estabelecer o diagnóstico definitivo. Mas esses exames ainda não estão disponíveis rotineiramente no SUS o que inviabiliza a sua utilização para diagnóstico. A maioria dos pacientes que possuem a suspeita de Zika tem seu material coletado e enviado para um laboratório de referência fora do estado. Dessa forma, a confirmação será útil apenas no que diz respeito a consolidação dos dados pela vigilância epidemiológica. O Ministério da Saúde recomenda que os casos de Zika que  não estão associados a síndrome congênita associadas a Zika (principalmente a microcefalia) não deverão ser notificados e portanto a sua investigação nesse contexto fica comprometida. 
 
3 - Há algum motivo específico para esse surto que tem acontecido no país?
​Julio Croda: O principalmente motivo é a mudança histórica que ocorreu nos últimos anos no Brasil. A migração maciça da população nas ultimas décadas e o seu deslocamento da zona rural para as grandes cidades em comunidades carentes com pouquíssima infraestrutura de água, esgoto e coleta de lixo favoreceu a reintrodução do Aedes aegypti e sua disseminação em todo o país. As ações de controle do mosquito realizadas até o momento foram ineficazes e alterações mais profundas no sentido de garantir uma infraestrutura mais adequada nessas comunidades carentes são fundamentais para que possamos obter um sucesso maior nas ações de controle do vetor. 
 
4 - Existe relação concreta entre infecção pelo vírus Zika e o aumento no número de casos de microcefalia ou são apenas desconfianças/estudos iniciais?
Julio Croda: O Instituto Evandro Chagas, órgão do ministério em Belém (PA), encaminhou o resultado de exames realizados em um bebê, nascido no Ceará, com microcefalia e outras malformações congênitas. Em amostras de sangue e tecidos, foi identificada a presença do vírus Zika. A partir desse achado do bebê que veio a óbito, o Ministério da Saúde considera confirmada a relação entre o vírus e a ocorrência de microcefalia. Novos estudos estão sendo conduzido para entender melhor o risco e magnitude do problema. Acredita que outras malformações estão associadas ao Zika, mas ainda não temos o resultado final desses estudos. Semanalmente o Ministério da Saúde publica um boletim epidemiológico com o número de casos notificados. Em uma semana, o número de casos cresceu 22%. Ao todo, o país registrou 2165 casos suspeitos de má-formação em 19 estados. 
 
5 - Nos últimos dias, circulou um boato pela internet de que o Zika teria sido transmitido por vacinas vencidas de rubéola. Existe essa possibilidade?
Julio Croda: Realmente é um boato muito sério. A vacina da rubéola não está indicada e não foi administrada em gestante. Esses boatos que circulam pela rede social gera um dado irreparável. O programa nacional de vacinação é considerado exemplo pela Organização Mundial da Saúde. Os autores desses boatos deveriam ser responsabilizados civilmente por essas ações que de nada contribuem para o controle da doença.
 
6 - Sabemos que o Aedes aegypti também é o mosquito que transmite a Dengue e a Febre Chikungunya.  Existem campanhas nacionais sendo feitas desde os anos 90 e, ainda assim, os surtos se repetem a cada ano, as pessoas continuam morrendo e até novos vírus que podem ser transmitidos por ele estão surgindo. Na sua opinião, porque isso acontece? O mosquito é mesmo imbatível?
Julio Croda: Essa é uma grande verdade. O governo investe mais de 1 bilhão no controle do vetor. Mas de fato, todas essas campanhas se mostraram insuficientes no efetivo controle do vetor.  Na prática, dizemos para a população que devemos evitar água parada. Mas como podemos evitar água parada, quando o fornecimento de água, por exemplo, na aldeia indígena de Dourados, não é regular. A população precisa coletar água nos dias que existe o fornecimento e faz das diversas maneiras. Recomendações que devemos recolher os pneus e qualquer material que possa acumular água. Mas em diversos municípios, incluindo Dourados, não existem locais suficientes perto das moradias para que as pessoas possam entregar esse material.  Recomendamos que não devemos cuidar do nosso lixo produzido, mas a coleta de lixo não passa regularmente, principalmente nas comunidades mais carentes. Portanto, o controle desse vetor, além da conscientização das pessoas através de campanhas, requer ações concretas principalmente no que diz respeito a garantia de condições básicas como acesso a água, esgoto e coleta de lixo. 
 
7 - O que as pessoas podem fazer para se prevenir? Também está circulando uma informação de que não é qualquer repelente que é eficiente contra o Aedes aegypti, e há pesquisas que comprovam a ineficácia de alguns, principalmente com relação ao tempo de duração. Realmente, não é qualquer repelente que serve?. Combater as larvas e eliminar focos que possibilitem a reprodução do mosquito ainda é a melhor solução?
Julio Croda: A melhor solução ainda é a solução coletiva. No momento que não temos as condições de infraestrutura ideais, devemos focar na eliminação dos focos do mosquito para que pelo menos possamos diminuir o número de pessoas acometidas por essa doença. Medidas de proteção individual podem ser adotadas como uso de repelentes, roupas compridas e telas. Os repelentes existem com três princípios ativos diferentes: os com DEET, IR3535 e Icaridina.  Os repelentes que possuem a Icaridina e seus similares na sua base são os que possuem maior tempo de ação, podendo chegar até 10 horas. Os que possuem IR3535 geralmente possuem duração de até 4 horas e os que possuem DEET, 2 horas em geral. Portanto, é necessário a reaplicação em todos os casos para garantir a proteção durante todo o dia. 
 
8 - É possível explicar porque ainda não existe uma vacina contra a Dengue, ou o Zika, por exemplo?
Julio Croda: O vírus da Zika é um vírus antigo, mas antes dessa grande epidemia no Brasil estava associado apenas a pequenos surtos na Ásia e na África. Portanto, não existia o interesse econômico no desenvolvimento dessa vacina. O desenvolvimento de qualquer vacina exige pelo menos 3 fases. A fase inicial é verificar reações adversas graves, a segunda fase é a avaliação a melhor dose e a terceira fase testa a efetividade de uma vacina. Esse tipo de estudo geralmente dura aproximadamente 10 anos. Dessa forma, a curto prazo, não teremos uma vacina disponível. Os casos de microcefalia são tão graves que estão sendo comparados a deformidades causadas pela talidomida nos anos 50 e 60. Precisamos mobilizar toda a sociedade e poder público para o combate adequado do vetor.
 



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